O Queijo Canastra, com seu tradicional processo de produção com o uso do pingo, sofreu uma destruidora ação do MAPA no inicio de novembro desse ano.
Não tinha a intenção em abodar o assunto nesse momento, mas foi tamanha comoção de várias partes da sociedade e enorme viralização do acontecimento, que optei por mudar o tema da coluna, já encaminhado, para trazer alguns pensamentos e debates que aconteceram na internet e na comunidade queijeira.
Sabendo da complexidade e sensibilidade do assunto, não o encerrarei em humildes linhas. Voltarei a escrever e ampliar esse debate ao longo das próximas colunas.
O enterro vivo.
Em uma ação de caça ao queijo, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) junto com a Polícia Federal, na quinta-feira 12/11/2015, apreendeu e enterrou 13 mil kilos de queijos de leite cru produzidos pela agricultura familiar na Serra da Canastra. Os queijos estavam armazenados em câmaras frigoríficas em dois galpões e pertenciam a um grupo de queijeiros, como são conhecidos na região os vendedores de queijos, que devido a nossa tacanha legislação, são forçados a trabalhar ilegalmente.
O motivo da destruição, depois de um “não confirmada” denúncia de rótulos falsos, foi “manter em estoque e comercializar queijos sem registro em órgão fiscalizador e sem identificação de origem“.
Fiscais do MAPA não tem nada a ver com notas fiscais ou impostos.
Proibidos no Brasil, importados da Europa
A legislação brasileira proíbe a fabricação de queijos de leite cru, uma tradição enraizada no nosso país por mais de 300 anos e oficialmente parte do patrimonio cultural do país.
Os queijos foram apreendidos sem a realizaço de nenhum exame para averiguar a sanidade dos queijos para consumo humano, e na mesma hora foram enaminhados para destruição. Fazem parte dessa produção mais de 250 famílias de pequenos agricultores, numa área de queijo do tamanho de Portugal, localizada em Minas Gerais, um estado do tamanho da França.
Enquanto na Europa, especialmente França, Itália, Grécia e Portugal, produtores locais são incentivados pelos seus governos, gerando emprego, renda e muitas pequenas cidades vivem de suas produções artesanais e turismo gerado.
Aqui no Brasil somos um país dominado pelas multinacionais, onde somos proibidos de produzir queijos de leite cru, mas podemos importar e comprar nos grandes mercados os queijos europeus feitos da mesma forma.
Algo parecido com a tacanha legislação que proibe o uso de insumos de origem animal, como chocolate e mel pelas nossas cervejarias nacionais.
A notícia criou indignação no Brasil
Enterrados vivos, com essa correta chamada no Facebook, a sociedade brasileira se encontrou e mostrou seu repúdio em quase 3 mil comentários, 24 mil compartilhamentos e mais de 1,9 milhão de visualizações no post da SerTãoBras. Uma associação, criada em 2007, que trabalha na difusão da cultura queijeira e busca apoios para legalizar a produção tradicional de queijo de leite cru no Brasil.
Vale lembrar que, o modo de fazer de queijo de leite cru, como o da Canastra que foi enviado ao aterro sanitário, é patrimonializado em níveis estadual e federal (IPHAN e IEPHA). É o mesmo produto que foi premiado no Salão Mundial do Queijo na França em junho de 2015.
Esses queijos fazem parte da sobrevivência econômica e do modo de vida de milhares de famílias em diferentes regiões do país, movimentando a econômia de pequenos municípios, e fazendo parte da dieta cotidiana e da culinária tradicional de comunidades rurais e urbanas.
RIISPOA
A legislação sanitária atual, ao não diferenciar escalas de produção e circuitos de distribuição, se sobrepõe à realidade existente, criando barreiras para o acesso aos mercados. Os produtos de origem animal estão atualmente submetidos ao RIISPOA – Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal, que segue parâmetros do comércio internacional, e é voltado para o controle sanitário de grandes escalas de produção e de processamento, de transportes a grandes distâncias e longos tempos de conservação e armazenagem. O RIISPOA é inadequado à produção artesanal, à agricultura familiar e às pequenas agroindústrias de alimentos, por ser baseado em escalas, parâmetros e valores industriais.
No presente momento, o Decreto 8.471/2015 está em processo de regulamentação pelo MAPA, através de Instruções Normativas para cada cadeia produtiva de origem animal (leite, carnes, ovos, pescados e mel). No entanto, este processo está acontecendo de forma pouca democrática, sem transparência, sem a participação de representantes da agricultura familiar e demais organizações civis envolvidas. Uma minuta foi encaminhada aos representantes dos movimentos sociais, mas não foi dado o devido prazo para discussão e recolhimento de contribuições das associações de produtores. Foi vetada pelo MAPA a participação de representantes dos agricultores familiares e a única representação de produtores lácteos convidada pelo MAPA foi a associação Viva Lácteos, composta por diversas grandes empresas, incluindo multinacionais, que não representam as agroindústrias artesanais de pequeno porte.
É de interesse das grandes agroindústrias dificultar ao máximo as exigências para os de pequeno porte e para a produção artesanal de queijos, inviabilizando a concorrência e fazendo com que estes continuem como seus meros fornecedores.
Há uma exigência de investimentos e custos desproporcionais para as pequenas escalas de produção, como análises e controles industriais que aumentam os custos de produção; automatização de algumas linhas de processamento; obrigatoriedade de laboratório interno ou realização das análises em laboratórios terceirizados sem previsão de qualquer subsídio; limites de produção sem qualquer embasamento técnico; dentre outros.
Da cidade para o campo, do campo para a cidade. Uma caminho sem volta, uma revolução que nao irá parar.
Sim, os grandes laticínios já começaram a perceber a mudança no mercado e o crescente interesse do público por queijos que tenham história, sabor e cultura. Muitos produtores, por todo o Brasil, estão voltando a investir e retornando ao campo, e o governo deveria ajudar na reocupação dos campos e na diversidade econômica e não o contrario.
HARMONIZANDO QUEIJO & CERVEJA
Na tábua, o Tulha (Amparo/SP), queijo de leite cru com 15 meses de maturação, envelhecido em madeira. Apresenta casca dura e avermelhada, massa quebradiça, sabores de caramelo e nozes, início de paladar adocicado, muito umami e final equilibrado, levemente salgado, com a eclosão dos cristais de sal na boca.
Na taça, acompanhando a premiadíssima Wals Quadruppel (MG), maturada em carvalho francês marinado em cachaça mineira. Com corpo cremoso e espuma densa e duradoura, apresenta aroma de frutas secas, toffee, cacau baunilha e notas de especiarias, com 11 % de teor alcoólico. Uma cerveja robusta e complexa para abraçar toda a potência do queijo artesanal da fazenda Atalaia.
Data de publicação: Fevereiro/2016