Importar pode, mas produzir é proibido

O leite cru foi o primeiro alimento de todos nós, fornecendo nutrientes essenciais, rica flora microbiana e fatores bioativos. Bebida natural por excelência, de leite agora só tem o nome.

Pois é o leite industrial que monopoliza nossos supermercados. O chamado leite UHT, esterilizado, já perdeu a maior parte de seu potencial e ainda por cima tem sido considerado um produto alérgico.

A morte do leite e a formação do ser estéril.

Sob o pretexto de um higienismo míope, a pasteurização do leite tem consequências para a saúde, prejudicando sua digestão. Altera-se sua estrutura de proteínas, reduzindo a sua assimilação e degrada o cálcio presente no leite. Outra pratica da indústria e a homogeneização do leite. Buscando a não formação de nata, explodem-se as moléculas de gordura em micro-moléculas, porem dessa forma, facilita potencialmente a migração para o sangue, aumentando o risco de colesterol.

Para completar, pesquisadores franceses comprovaram recentemente, que o consumo incentivado do leite pasteurizado está elevando a intolerância à lactose, ao não produzirmos mais naturalmente a lactasse, enzima responsável para sua assimilação.
Ao contrário de tudo o que foi dito há 60 anos, o leite industrial esterilizado é mais tóxico do que o leite cru. Este, embora marginalizado, fortalece o sistema imunológico, graças à microflora microbiana ativa.

Lei 1.283/1950, um mercado parado na década de 50.

No final do governo Dutra, ainda muito influenciado pela agenda colocada ao mundo pelos EUA, após sua vitória na 2ª Guerra Mundial, veio a nossa lei que regula até hoje nosso mercado. Com excessivo rigor na pasteurização e esterilização, talvez por pouco conhecimento na época, não se levava em consideração a importância dos microrganismos, na nossa vida e alimentação. Essa sofreu algumas pequenas alterações através da Lei 7.889/1989.
Uma prosa legal.

Conheci o Rafael no início de 2015 num encontro, onde o queijo era a estrela da noite. Formado em Direito pela UFMG é autor de dois artigos que inspiraram essa coluna.

Como entrou nessa intricada trilha queijeira?
Rafael – Caí nesta trilha puxado por minha mulher. Em 2013 ela fez MBA em Segurança dos Alimentos e como parte de sua pesquisa sobre o queijo minas, feito com o leite cru, visitamos muitas queijarias nas regiões do Serro e da Canastra.
Nas conversas, dos currais às mesas de café, constatei uma grande revolta dos produtores com as normas para fabricação e comercialização dos queijos.

Daí surgiu o motivo para escrever o meu 1º trabalho chamado “As Leis do Queijo” no qual procurei analisar as principais normas federais que impactam a produção do queijo Minas, de leite cru. Depois, quando saiu uma nova Instrução Normativa eu percebi um grande entusiasmo na mídia, mas eu não achava que o avanço tinha sido tão grande. Então resolvi escrever um 2º artigo “Instrução Normativa Nº 30/2013 do MAPA – a ilegalidade continua”.

Qual sua impressão dessas leis?
Rafael – Acho que nossa legislação tem muitos erros. Os principais são:

Fonte de inspiração: A legislação brasileira baseia-se na legislação norte americana. Isso faz toda a diferença. Nos EUA a tradição é fazer queijo com leite pasteurizado e para grandes produções. Nossa legislação deveria ter se espelhado na legislação europeia, especialmente de Portugal e França, de onde vieram nossas influências queijeiras.

Generalização: Nossa lei trata todos os produtores da mesma forma, seja ele um micro, pequeno, médio ou grande produtor. As regras que valem para todos são as regras do produtor de escala industrial.

Áreas produtoras: Ao generalizar não levaram em consideração o terroir, as bactérias e os métodos de produção das regiões tradicionais. Um exemplo deste erro é a proibição das mesas de madeira. Esta tradição deveria ter sido mais bem estudada.

Prazo de Maturação: Os prazos de maturação das Instruções são inadequados e ilegais. As instruções normativas não podem contrariar o Decreto Presidencial Nº 30.691/1952, com a redação dada pelo Decreto 1.255/1962. Ele estabelece que o queijo minas artesanal possa ser comercializado com 10 dias de maturação.

Privilégio para os importadores: As exigências para o produto nacional, inclusive em relação aos prazos de maturação, são mais rigorosas do que as exigências para os produtos importados.

O que poderia ser feito?
Rafael – Tratar os pequenos como pequenos e os grandes como grandes; fiscalizar e punir os maus produtores; promovendo as boas práticas ao invés de ditar regras excessivas, partindo do pressuposto de que todos são produtores de precários. A lei não precisa ser um castigo imposto a todos os produtores a partir das práticas inadequadas de alguns.

Os tecnocratas se prenderam ao prazo de maturação e ignoraram estudos que comprovam que a segurança do processo não depende primordialmente desse prazo, pois se o queijo estiver contaminado não serão os longos 60 dias de maturação que eliminarão a contaminação. Por outro lado, quando o queijo é produzido de forma segura ele pode ser vendido fresco.

Só com 60 dias de cura.

Ou seja, hoje, no Brasil, os queijos artesanais tradicionalmente elaborados a partir de leite cru só são permitidos desde que maturados por um período mínimo de 60 dias, ou quando estudos técnico-científicos comprovarem que a redução do período de maturação não compromete a inocuidade do produto. E só valem para as fazendas localizadas em regiões certificadas, ou tradicionalmente reconhecidas e instaladas em propriedades com status livre de tuberculose, brucelose.

Esse prazo, quase que mítico, de 60 dias, deixa nossos queijos, ressecados e fora do seu ponto ideal de consumo.

Cerveja com insumo animal e queijo de leite cru.

É liberada pelo MAPA a importação de cervejas com insumo animal, como cervejas com chocolate e mel, mas é proibido produzir aqui no Brasil. A mesma coisa ocorre com os queijos, aonde é proibido produzir queijos de leite cru, salvo comentado acima, porem podemos importar de outros países, independente do prazo de maturação.

Para esse mesmo órgão fiscalizador é muito mais fácil delegar a questão para os outros países e simplesmente proibir aqui, do que ajudar a capacitar nossos produtores nacionais e adequar as normas, dando segurança a nossa produção.

Salve a nossa cultura.

Os produtores querem muito continuar produzindo o queijo com leite cru conforme aprenderam com seus antepassados, mas enxergam na legislação um obstáculo para a manutenção desta histórica atividade. Para se formalizarem e obterem um registro de inspeção estadual, por exemplo, eles necessitam pasteurizar o leite, o que descaracteriza completamente o seu queijo e junto com um cipoal de exigências, inviabilizam a produção. Obrigado a ter uma queijaria com exigências estruturais semelhantes as grandes indústrias. Nessa insegurança, os queijeiros ficam à margem, tendo seus queijos recolhidos e destruídos. Assim caminhamos para enterrar nossa história e a nossa cultura.


HARMONIZANDO QUEIJO & CERVEJA

Na taça, Invicta 108 (SP), uma das melhores Russian Imperial Stouts brasileiras, com 10,8% de álcool bem inserido em notas de baunilha, chocolate e café e corpo aveludado.

Na tábua, incrível Azul do Bosque, com toda a sua cremosidade e doses generosas de mofo azul. Produzido com leite de cabras em Joanópolis/ SP, faz uma dupla perfeita e potente com a 108, nos trazendo a sensação de saborear um capuchino em versão titânica.


Data de publicação: Outubro/2016

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