Tipo queijo, queijo tipo

Aqui no Rio de Janeiro, faço parte de um projeto focado na alimentação saudável e justa, de pequenos produtores e chefs de cozinha, chamada Junta local. E nas feiras, a frase que mais escuto diante da nossa mesa repleta de queijos brasileiros, com mais de 50 variedades, é: ‘Você tem tipo Parmesão?”

Explicamos que o parmesão é um tipo de queijo ita­liano, com denominação de origem controlada conhecida como Parmigiano-Reggiano de Parma, Itália. E apresentamos alguns legítimos queijos brasileiros que podem agradar devido ao estilo, além de outros maravilhosos e orgulhosa­mente nacionais.

Disputas e proteção

Devido a sua popularidade na culinária, este queijo foi copiado e é produzido em regiões com presença de colônias italianas, como o Brasil e os Estados Unidos, o que tem gera­do disputas legais quanto ao uso da marca. Três sistemas promovem e protegem os nomes de produtos agrícolas e gêneros alimentícios de qualidade do mau uso e imitação e ajudam os consumidores, dando-lhes informações relativas às carac­terísticas específicas dos produtos:

– DOP: Produtos agrícolas e gêneros alimentícios que são produzidos, processados e preparados em uma área geo­gráfica deli1nitada com um saber-fazer reconhecido.
– IGP: Produtos agrícolas e gêneros alimentícios es­treitamente ligados à área geográfica. Pelo menos uma das etapas de produção, processamento ou preparação tem lugar na área
– ETG: Destaca caráter tradicional, quer na composi­ção ou meios de produção.

As cervejas belgas já têm a sua proteção ETG. São elas: Kriek, Faro, Lambic, Gueuze, Oude e suas variações. A Ale­manha deu entrada e1n23 de agosto de 2012 ao processo de proteção ao estilo Oktoberfestbier, além de outros nove estilos já registrados, como a Kölsch. A lista está disponível no site da Comissão Europeia de Agricultura, através do link do sistema DOOR: ec.europa.eu/agriculture/quality/door/list.html

Da cerveja para o queijo

Quando o assunto são os queijos, os números de pro­teções são maiores, com mais de 260 em toda a União Euro­peia. A França ten1 62 proteções, entre elas Gruyere, Roquefort, Morbier, Chevrotin e o Camembert de Normandie. Já a Itália protege 54 variedades, entre elas Gorgonzola, Pecorino Romano e Parmegiano Reggiano. Na União Europeia, os países com o maior número de registros de proteção aos seus produtos são a Itália e a França. Não à toa são os países com a maior valorização culinária e identificação gastronômica aqui por nós brasileiros.

Da Europa para o Brasil

Na última viagem à Europa para visitar alguns produtores, to1nei conhecimento do Vagner Moreira através de uma alegre se­nhora em um bar de hotel em Celorico da Beira, terra do Serra da Estrela. “Esteve aqui um conterrâneo seu, também estudando nossos queijos, vou procurá-lo aqui no Facebook para você”.

Vagner é formado em Direito e estava em Portugal para estudar a relação entre Indicações Geográficas e Desenvolvimento Rural Sustentável para sua tese. Foi alvo da pesquisa a Indicação de Procedência Queijo Minas Artesanal do Serro e a Denominação de Origem Protegida Queijo Serra da Estrela.

Proteção aos queijos brasileiros

Com relação ao Queijo do Serro, a pesquisa de campo aconteceu entre os dias 22 e 29 de maio. Lá, a principal questão era tentar entender por que a IP Queijo Minas Artesanal, reconhecida desde 2011, ainda não estava funcionando na prática. “Na região, percebi a desarticulação dos produtores. A Associação dos Produtores de Queijo do Serro (APAQS) perdeu a sede e praticamente todos os seus associados. Agora que estão tentando reerguê-la com uma nova diretoria. O conflito de interesse entre a CooperSerro e a APAQS é outro entrave. Entretanto, com o movimento de reto­mada, a maturação e a fabricação de queijos mofados que se inicia entre alguns produtores, há uma grande perspectiva que, para un1 futuro próximo, a IG possa estar funcionando”, diz Vagner.

Em 2016, apenas dois queijos brasileiros têm proteção de Indicação Geográfica, o Queijo do Serro (adquirida em 2011) e o Queijo da Canastra (2012). Desde então, essa roda não girou mais, deixando inúmeros outros na fila, tais como o Queijo do Marajó, o Queijo Coalho, o Serrano, o Colonial, entre outros.

Regras com sotaque brasileiro

Neste final de semana, fomos convidados para le­var os deliciosos queijos brasileiros com sotaque francês para o Rio de Janeiro, uma feira gastronômica com o apoio do consulado francês para valorização dos seus produtos. E é justamente com a Queijo com Sotaque que iremos levar uma prosa para essa coluna, com o Diego Souza, sócio da Elizabeth Schoeber.

A Queijo com Sotaque está na luta para ser a me­nor queijaria com SIF no Brasil. Nos conte um pouco das dificuldades e peculiaridades enfrentados nesse cansativo processo.
É verdade, hoje sornas a menor queijaria com SIF, a menor em tamanho, mas com a maior variedade de produtos feitos na mesma fábrica. Quanto às penúrias, na verdade são situações muito complexas. Um exemplo seria nossos rótulos: para aprovar um rótulo, está levando oito meses, isso nos deixa um pouco preocupados, pois temos 20 tipos de queijos diferentes.

No meio queijeiro, rolou um triste boato de que, de­vido a rodas as dificuldades impostas, houve um convite do governo uruguaio para levar essa maravilhosa queijaria para o lado de lá do Rio da Prata. Pode explicar melhor?
Na verdade, esta questão é um pouco mais delica­da A burocracia brasileira está acabando com os empreen­dedores, porque todas as leis são feitas para as multinacio­nais ou o pequeno produtor, nunca tem um meio termo ou caminhos por onde você possa evoluir, criando mais em­pregos. E por esta burocracia é que pensamos em buscar uma parceria em outro lugar, para que este projeto Queijo com Sotaque seja rentável e lucrativo.

A Elizabeth, devido a sua experiência na França, ao se mudar para o Brasil trouxe rodo seu conhecimento e começou a fazer seus queijos com inspiração francesa. Como ela mesma diz, queijos brasileiros com sotaque fran­cês. Porém o MAPA exige agora, para o SIF, que ela denomine seus queijos como “tipo Camembert”, “tipo Comtê” e tal. Como você enxerga essa exigência do MAPA, ajuda oi, atrapalha o entendimento?
A meu ver, atrapalha, pois eles exigem que seja chamado de “tipo”, pedem uma ficha técnica para que provemos a existência desses queijos, mas não deixam que produzamos igual lá. Um exemplo é o Comté na França, feito em tacho de cobre, em que é retirada a mas­sa do soro com um pano em formas de madeira, e segue para maturação de longos oito meses em cima de uma prateleira de madeira. Isso está escrito na norma técnica francesa, nada disso pode ser feito no Brasil, sendo assim não é Comté. Por este motivo, demos os nomes brasilei­ros, batizamos de Serra do Tabuleiro, Manezinho, mas o MAPA não permite que os usemos.

E assim caminhamos

No nosso mercado cervejeiro, teve que partir das cervejas artesanais a menção dos tipos nos rótulos, para ajudar os consumi­dores a diferenciarem entre as cervejas claras, extra e escuras, exigi­das pelo MAPA Como não havia cultura cervejeira no Brasil, com parcos estilos, chegou a ser usado o nome do estilo em marca de rótulo, como foi o caso da Kaiser Bock.

No mercado queijeiro nacional é o contrário. 􀁩 exigida a colocação dos queijos “tipos”, “tipo Cammembert”, “tipo Roquefort”, sem levar em conta as suas proteções e muitas vezes levando o con­sumidor a provar um queijo que está longe do seu originário, seja em sabor ou história.

HARMONIZANDO QUEIJO & CERVEJA

Sobre a madeira, o autêntico Cariri, produzido no município de Taperoá/PB, em belíssimo projeto de resgate e valorização das cabras nativas do sertão paraibano. Curado 30 dias e levemente condimentando com aroeira.

Na taça, a deliciosa Trancoso, da cervejaria Trópica do Rio de Janeiro. Uma cerveja do estilo Saison que leva lúpulos Sorachi Ace em sua receita, emprestando-lhe um caráter mais condimentado e adocicado que fica em perfeita harmonia com o Cariri e suas notas caprínicas e botoque da aroeira.


Data de publicação: Dezembro/2016

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